quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Ideal



Quanto as vantagens restantes – casas, terras, móveis, semoventes, consideração de políticos, etc. - é preciso convir que tudo está fora de mim. Julgo que desnorteei numa errada. (...) Hoje não canto e nem rio. Se me vejo ao espelho a dureza da boca e a dureza dos olhos me descontentam” (S. Bernardo – Graciliano Ramos).


Lutara muito para chegar lá. Noites mal dormidas, amizades perdidas e duas úlceras. Nada economizara para alcançar seu ideal.

Sempre repetia a si mesma que o homem somente encontra a sua razão de existir quando luta por seus sonhos. Isso a motivava e dava-lhe forças para seguir em frente. Ela tinha sonhos por demais, que a realidade passou a ter pouca importância.

Ninguém poupou nesses longos anos de batalhas; amizades antigas foram desfeitas, e as velhas companhias, aquelas das conversas bobas e das risadas sem razão, foram sumariamente abandonadas. Afinal, ela não poderia perder tempo. O alvo a esperava e a chamava todos os instantes. Ela precisava correr, não tinha tempo para distrações: estava, há muito tempo, atrasada.

Muitas vezes foi-lhe necessário cortar a própria carne e ela jamais hesitou em fazê-lo. A dor do sacrifício jamais a impediu de perseguir seu ideal. Mudou a forma de falar, de se vestir, os assuntos, os gestos, etc... Aqueles velhos hábitos, dos idos tempo da roça, os quais ela se esforçava diariamente em esquecer. Um novo passado precisava ser criado, outra pessoa precisava surgir.

Foram anos, sem tréguas, sem sequer um domingo ou dia de santo para descansar, mas, enfim, ela conseguiu. Conquistara seu lugar no podium - o alto da cobertura no bairro nobre da cidade. Era agora uma empresária bem sucedida, bem vestida e bem alimentada. Com uma taça champanhe nas mãos, olhava o mundo e as pessoas lá de cima. Era isso que, para ela, realmente, importava, era por isso que lutava por todos esses anos. Palmas à vencedora!

Mas, onde estavam os aplausos? Onde estavam as pessoas? Nem mesmo alguém com quem pudesse brindar a vitória ela encontrou naquele dia. Olhou ao seu redor e viu-se só, destituída dos outros e, principalmente, desprovida de si. Percebeu naquele momento que, na brutalidade da caminhada, havia se perdido.

Olhou para si e, de súbito, percebeu que não era mais aquela em frente ao espelho. Aliás, sequer sua imagem refletida na lâmina prateada ela conseguiu ver, apenas um borrão desfocado e sem contornos definidos projetou-se à sua frente. Achou-se ridícula, fútil e vazia de humanidade. Na boca, uma amargura a impediu de saborear a vitória, até mesmo o champanhe tinha um gosto de fel. As lágrimas, então, subitamente, saíram-lhe dos olhos.

Nenhum comentário: