Da janela do carro, observo a paisagem. Já é fim de
agosto. A seca transforma a paisagem do cerrado, que mais parece caatinga. Os
arbustos, retorcidos e sem folhas, descascam suas grossas epidermes, como se
agonizassem pela sede. As moitas amareladas de capim-navalha apontam para o
alto suas folhas já sem vida. Todas as plantas são iguais aos olhos: um
amontoado de gravetos.
Restos de vapor d'água sobem, tremulando a visão da
paisagem. O enorme chapadão de areia, reluzido pelos raios de sol, parece
incendiado. Não há nenhum indício de chuva no céu acinzentado. As nuvens estão
todas ofuscadas por um véu de fumaça e poeira.
O amarelo das rochas de arenito se mistura com o
marrom do mato seco e o preto das árvores cobertas de carvão, que,
vigorosamente, resistiram à primeira queimada, dando uma visão monocromática ao
relevo. As cigarras, angustiadas, em coro, gritam uma espécie de aboio.
Tento
encher o pulmão de ar. Sequiosa, a mistura de oxigênio e fumaça entra
arranhando os canais da narina, como se lambesse o resto de água que havia no
organismo. Sinto a boca amarga e o muco seco, que gruda nas paredes do nariz.
- Deus meu, Deus meu, por
que me desamparaste? Por que te alongas do meu auxílio e das palavras do meu
bramido? Deus meu, eu clamo de dia, e tu não me ouves (…) A minha força se
secou como um caco, e a língua se me pega ao paladar; e me puseste no pó da
morte. Clamo como o
salmista.
Percebo que há um deserto em mim, lá dentro também é
agosto. Fecho os olhos e posso sentir folhas secas se desprendendo e ouvir o
barulho estridente das cigarras interiores: vapores quentes de uma inquietação
que me assopra.
Em grunhidos, ofereço a Deus uma oração sem palavras.
Rogo-lhe o que me falta: aquilo que não sei o que é.
Supostas respostas vem à mente, mas não há nenhuma que
me satisfaça. Só consigo me lembrar das pastagens verdes da primavera e das águas
abundantes, que, ao caírem do céu, corriam brancas entre as pedras. Murmuro
alguns lamentos amargos de saudades, que saem da boca em estado de arrotos.
Vejo então uma árvore de ipê. De tão retorcida, parece
ser açoitada pelo sol. Aquela árvore humilde e audaciosa, em meio a toda a
agonia, aponta para o céu, da ponta de seus bracinhos finos, inúmeras flores
amarelas, que, de tão amarelas, parecem feitas de pura luz.
Há um sinal de vida na paisagem! De uma realidade
resistente ao sol e à seca, que, em meio ao caos, louva como criação,
oferecendo, em pura poesia, o que produz em primícias. Ali, agosto também é
primavera o momento oportuno de florescer.
Aquela árvore de vanguarda me evangeliza, quando,
ainda no mês de agosto, anuncia uma primavera que, com certeza, chegará! Nela
enxergo Jesus, magro, moribundo e oprimido, nos desertos da Judeia, anunciando
o Reino de Deus aos pobres.
Um comentário:
E mesmo ao deserto ainda vemos uma nuvem no céu,que nos enche de otimismo.
Linda reflexão.
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