“Quero a delícia de poder
sentir as coisas mais simples” (Manoel Bandeira)
Corpo curvado, cabeça baixa e livro aberto, tentava em vão compreender
a extensa e enfadonha classificação dos atos administrativos. Eram apenas oito
horas da manhã. Lutava contra o texto cansativo e o sono que me dominava.
Meu raciocínio capenga era interrompido pela voz de uma senhora, que
chegava cumprimentando a bibliotecária. As duas amigas, na mesa ao lado, conversavam empolgadas entre um sussurro e outro. Falavam de uma tia distante
que estava à beira da morte, trocavam receitas de um remédio caseiro, que uma
delas dizia ser infalível para curar resfriado.
Relutava em desviar a atenção daquela conversa e resistir ao sono, restringindo meu pensamento ao direito administrativo. Até que, em voz
alta, uma delas interrompeu a minha leitura. E antes mesmo de levantar a
cabeça, pude ver um prato com meia dúzia de bolachas de nata e uma dose
generosa de café amargo.
Entre um gole e outro, fui envolvido no papo. Comentavam elas admiradas acerca espessura do livro que estava lendo e da miudeza de suas letras. Aproveitaram para advertir dos riscos da leitura sem moderação. "Havia na cidade um homem, que de tanto estudar, acabou ficando doido". Fingia interesse e
admiração pelo assunto.
De uma vez por todas resolvi fechar o livro. Minha
mente estava longe daquele causo. Ao olhar a xícara de café e os
restos das bolachas, pensava o quanto era privilegiado! Em silêncio, agradecia
a Deus por estar na minha terra natal e por viver num lugar em que as relações
humanas são tão intensas!
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