sábado, 29 de junho de 2013

Devir



Do auto do edifício vejo a cidade. Lá de cima, os homens são pequenas formigas, que perambulam de um lado para o outro. As luzes dos carros são como sangue, fluindo rápido e constante pelas nervuras vermelhas da cidade.

Lá de cima, tudo se move: as árvores sacodem-se com o vento, os pássaros riscam o céu brincando na imensidão do firmamento, o rio de esgoto corta a cidade ao meio: ele corre com pressa. Apressado também, o sol acaba de se esconder na linha do dia. Ele já terminou seu expediente diário. Tinha hora marcada e, pontualmente, precisava partir.

O relógio, no alto da igreja - imponente e solitário - dá ritmo a todos os movimentos quando soa freneticamente o tic-tac.

Quando penso em mim, passo a me desconhecer. Vejo que não sou mais aquele que era a um segundo atrás. Mesmo relutando em não mudar, sou levado involuntariamente pelas engrenagens do tempo, que me impedem de permanecer inerte. Aliás, concluo: nada mais é como era, tudo é novo, tudo é, à cada instante, reciclado.

Lá de cima observo o ritmo da dança: o desassossego, a efervescência das coisas. Vejo o sopro divino, transpassando a matéria e deixando as substâncias e os seres em constante inquietação.


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