domingo, 17 de abril de 2011

Andanças

      Hoje, numa das minhas andanças pela cidade, encontrei uma senhora. Dessas que agente sempre vê pelas ruas, revirando o lixo, à procura de um pedaço de pão, ou outra coisa que seja útil. Dessas que agente sempre vê, finge que não enxerga, e segue andando. Desse tipo de gente, moribunda, magra, animalizada, que por não ter com quem conversar, acaba criando a mania de murmurar sozinha, palavras desconectas, frases, pensamentos soltos.
      Mas hoje, ela estava diferente daquelas vezes que a havia visto. Sentada em uma cadeira de plástico, na lanchonete da calçada. Comia gulosamente um cachorro-quente. Desses que agente come um dia, e o outro passa aos vômitos!
      Ali não era mais aquela velha mendiga. E se fosse possível abstrair de seus trajes, do local onde estava, da realidade miserável que a cercava, com certeza ela seria confundida com uma mulher de negócios, ou melhor, uma princesa anfitriã, em um banquete entre realezas.
       Sentada de forma majestosa naquela cadeira de plástico, coluna reta, pernas cruzadas, olhar altivo, comia gulosamente, aquele lanhe pobre, regado à gordura, feito de um pão velho, como quem degusta um caviar, entre membros da alta sociedade.
    Agora não se portava mais como a mendiga, a pedinte, que revirava os destroços, indignamente, à procura de comida. Olhava a todos de forma igual. Via o mundo de um outro ângulo que até então, parecia desconhecer. Era a cliente daquele estabelecimento e havia pago aquele lanche. Não estava ali na condição humilhante de um pedinte. Por mais pobre que fosse aquele lugar e aquela comida, era a proprietária daquela refeição, e se portava como tal.
     Senti tanta pena, daquela mulher maltrapilha, que desfrutava de um momento feliz! Talvez único no dia, na semana ou no mês. Daquela velha senhora, que comia aquele cachorro-quente, como quem degustava um manjar. Senti nojo de mim, da humanidade, do sistema, do governo...
      Pensei em parar, conversar com ela, perguntar seu nome, sua idade, oferecer alguma ajuda. Mas como todas as outras vezes, fingi estar indiferente à sua existência, minha urbanidade me conduzia passo à passo cidade adentro. 
     Mais à frente, olhei pra trás. E lá estava ela, sozinha, assim como eu. Estávamos juntos, numa solidão coletiva.

Um comentário:

Anônimo disse...

Narrativa surpreendentemente verdadeira...Longe de se mostrar um observador distante!
Essas palavras nos tocam profundamente,um significado para a vida e em relação com aqueles que nos cercam.